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9 de set. de 2022

decepcionistas e entender as vagas "vagas"

Caso vocês não saibam eu estou com a Dona Elza, a tia da biblioteca, lá no canal do YouTube do Bibliotequices e a sessão chamada "Vagas Arrombadas".


Para participar anônimamente, você pode enviar os seus relatos de vaga arrombada da Biblio neste FORMULÁRIO AQUI e eu garanto com meu juramento de profissão que nem vou saber quem você é.

Mas eis eu aqui, escrevendo novamente no blog que abandonei por inúmeros motivos, inclusive esses que irei apresentar de forma rasa aqui, (não sou especialista, logo não me meto na área de ninguém). 

Desde criança estive a procura de lugares seguros, com bancos ou lugar pra sentar e em que eu pudesse apenas descansar a cabeça e as costas. Bibliotecas encaixaram no meu perfil de lugar seguro e de conhecimento também, pois eu apostava muitas fichas otimistas que minha educação formal em escola pública iria melhorar se eu frequentasse mais bibliotecas escolares e públicas.

Ledo engano.

Mas uma ótima coincidência décadas depois escolher a profissão que cuida desses lugares para estar atuando profissionalmente (Ou assim pensei que iria), pois o ambiente de bibliotecas, museus e arquivos me fascinam e não é por causa do regime ditatorial de silêncio e estudo, do cheiro dos livros carregando o prenúncio de uma rinite ou processo alérgico severo (hehehe, vai nessa na nostalgia), muito menos da figura notória de bibliotecáriA me mandando ir pro lugar e calar a boca (isso professores fizeram sempre, muito obrigada, fui uma criança que chamam de "hiperativa" e de "altas habilidades"), foi porque em bibliotecas eu encontrei um jeito de distrair a minha cabeça do mundo lá fora.

Entendam, eu sempre achei que tinha um problema. Em mim, no mundo ao redor, nas pessoas. "Problema", não "dilema", porque problema você pode encontrar solução, mas quando se é neurodivergente diagnosticado após os 35 anos e descobre que toda interação que fez desde criança era forçada e consumia uma energia do caramba, aí sim você começa a questionar muitas dessas interações.

Leia mais no link abaixo...


A biblioteca me dava apenas uma via de comando de interação: ler e aprender. E eu apreciava isso, devo dizer, eu levava tudo que tinha dentro da cabeça pra lá e saía pesquisando nas estantes, nas gavetas de fichinhas, raramente interagia com as responsáveis (e vou tratar no feminino, porque esses lugares são povoados pelo feminino) e fugia de estudantes. Biblioteca era meu esconderijo favorito.

Esconderijo de mim, dos outros, do mundo.
Não dentro dos livros e o romantismo barato que adoram enfeitar aí que a leitura salva as pessoas - propaganda barata pra uma perdição deliciosa de saber demais e constantemente esfregar os olhos pedindo por ignorância em um mundo como o de hoje - mas de não ser obrigade a OUVIR demais, FINGIR ser alguém, ESCONDER quem poderia ser. Na biblioteca, seja qual tipologia fosse, eu era Morgan, apenas Morgan, às vezes M., ali na estante 800, correndo os olhos nos títulos e/ou escrevendo freneticamente no caderno a mais de 500 páginas as histórias que sempre gostei de contar para mim mesme, não para os outros.

Pra quem é autista, o mundo meio que fica reduzido apenas para a gente dar uma olhada, não queremos outros olhos ali nos julgando, como sempre.

E na biblioteca, enquanto estagiárie e trabalhadore, entendi que o significado de apenas existir no local era algo muito bacana quando me deixavam fazer meu trabalho. Porque eu tenho uma agenda e um portfólio cheio de trabalhos e eles se despejam em serviços, em atendimento personalizado, em tratar pessoas que tanto me assustam, independente se são gentis ou não, e de aturar vozerio.

Sim, vozerio, o meu ponto fraco para tudo na vida desde sempre.

Percebi que tenho sensibilidade à sons. Vozes principalmente. Ambiente com muita gente falando ao mesmo tempo pra mim é o mesmo que querer arrancar meus tímpanos com os dedos. Vozerio me assusta, me irrita, me mantem no estado intenso de completo enrijecimento muscular e tensão mental, que quando escapo desse ambiente parece que roí um pedaço de tora entre os dentes de tanta força que fiz no maxilar. E a dor de cabeça, os ouvidos sensíveis, os olhos pesados, apagões do nada no meio de eventos, aulas, reuniões, conversas.

Por inúmeros motivos que cheguei a construir essa significância = vozerio é igual a hipervigilância (é quando você se torna tão alerta a tudo ao seu redor, que é fácil você se assustar com qualquer coisa ou ficar distraíde por um bom tempo por conta dessa tensão) = o autismo estava lá, permeando a minha forma de me entender com as pessoas ao redor, o lugar que escolhi como refúgio quando tudo parecia estar efervescendo de sensações, as faculdades que decidi continuar minha vida, a profissão que jurei e amei de paixão até recentemente.

Biblioteconomia pra mim é uma relação de Amor e Ódio, como nos velhos clássicos da tragédia grega, em que a linha tênue de se adorar uma divindade vai na mesma proporção de desprezá-la e com suas consequências.

Estar na Biblioteconomia e ser autista, e tudo que estar no espectro carrega, inclusive o tal do "masking" ou "fingir que tá tudo bem e sou normal" que me dificulta um bocado com as interações sociais.

"Mas nossa! Como assim, você é a pessoa mais comunicativa que já vi!" - já me disseram. Vocês sabem o que as pessoas atores fazem pra viver, né? Não é possível que você não saiba. Masking é mais ou mesmo isso: tou interpretando o papel. E se na minha profissão, na minha atuação, para ser essa pessoa bibliotecária que jorra os serviços criativos no balcão e atende as pessoas de jeito diferente, é porque estou interpretando um papel. E eu gostava desse papel.

Os dizeres "atuar em bibliotecas" não é à toa, querides, eu realmente tou ensaiando desde sempre para ser quem eu preciso ser na minha profissão de paixão, não quer dizer que eu aguento por muito tempo ou goste. Amor e Ódio, eis a questão.

Trabalhar em escolas foi onde encontrei o ponto de equilíbrio para muitas questões, o de compreender o local, o de saber o que fazer com as legislações, o que tratar e o que deixar de lado, como fazer projetos acontecerem, como fazer com que estudantes em situações de vulnerabilidade social que muitos de vocês sequer imaginam que elus estão, se sintam à vontade, segures, confortáveis, relaxades em um local como a Biblioteca. Já pensaram nisso? Que talvez aquele pedaço de lugar, cheio de estantes e livros, sem orçamento e incentivo algum, pode ser o ÚNICO lugar da vida daquelu estudante a ter 15 minutos de paz? Onde ninguém faz cobranças, exigem responsabilidades, tratem como lixo?

Talvez ali naquele lugar, a biblioteca seja um refúgio. Durante o intervalo do recreio, entre as aulas, antes ou final dos períodos, contra-turno. Talvez seja ali que elu esteja procurando alguma resposta, já que dizem que bibliotecas são templos do saber. Vai ver que a resposta é a súbita e silenciosa constatação que ali elu não precisa ser ninguém, além delu mesme.

Eu ofereço ao público que frequenta os lugares onde trabalho o mesmo lugar onde eu gostaria de ser tratada. Nunca ao contrário. E recentemente, com as escolhas que fiz, forçando um masking para agradar gente que não se compromete com a Educação, Cultura e futuro de ninguém, eu adoeci, me retorci e estou aqui, novamente escrevendo nesse lugar para desabafar.

E este não é um lugar seguro, disso te dou a certeza.

Porque a coisa que me fez parar de escrever (como disse lá no começo) foi justamente o TRAUMA de duplicar o masking para pessoas que liam aqui e chacoteavam e julgavam lá fora. Esse blog foi exposto em salas de aula de graduação do curso em aulas em que as pessoas envolvidas preferiram me pegar como chacota do que me parar no corredor e conversar comigo de forma honesta. Esse blog sofreu retaliação de gente que se falava aliada à causa, seja Bibliotecária ou LGBT. Esse blog por muito tempo, foi aponta dedos na minha cara nos últimos anos de graduação para dizer que "algum dia eu ia me ferrar com o que escrevia".

Não precisou de muito não, a Legislação não me incomodou, conheço bem ela e sei como não faço nada de errado em escrever sobre a nossa profissão aqui, mas para quem já tinha que fingir que tava tudo bem com uma camada de masking e junta os problemas com realidade estudantil entre 2015/2016 no Ensino Superior público, aí sim você vai entender o porquê eu parei de escrever tão assiduamente.

Uma fala que ouvi uma vez de alguém lá da Letras, de que de gente que nos odeia a gente precisa esperar tudo, agressão, violência, humilhação, porque é assim que eles demonstram que não respeitam e querem sua presença, mas quando isso vem de aliades, de gente de seus círculos, de companheires de associativismo, o buraco sempre vem mais em baixo.

E é por isso que em 2018 sofri ameaças de violência física, agressão verbal e gaslighting de muitas pessoas de dentro do curso e da profissão. Por estar no movimento estudantil, por denunciar professores abusadores e imprestáveis que prejudicavam estudantes sem piedade alguma, por estar exposte por ser uma pessoa trans (cê sabe né? Acham que nossos corpos são públicos), por escrever aqui problemáticas que ninguém queria questionar, por ter que entrar no modo hipervigilância toda vez que entrava em sala de aula e rezar para Hermes que eu não apagasse.

Os apagões tem nome, sabe? Não era preguiça, não era cansaço, não era zoação, era DISSOCIAÇÃO. E quem tem dissociação costuma não ter memórias do que aconteceu, porque o nosso cérebro foi feito para "desligar" quando se sente ameaçado, o tal do comportamento "fugir, lutar ou ficar paralisado" tem um estágio a mais que é "desligar" a chavinha quando estamos em pânico, ganhei outro termo para pesquisar "amnésia dissociativa", tem me ajudado muito na terapia. Se você me perguntar o que estudei, eu vou conseguir me guiar pela pasta no Drive que fiz com cada disciplina, agora como eram as aulas? Dos eventos? Das pessoas? Se aproveitei? De nada mais me lembro.
(Isso é um porre para fazer concursos, eu estudo e não lembro, então é como se fosse a primeira vez vendo AACR²)

Tenho boas lembranças, devo dizer! Elas me são narradas por terceires, amigues, colegues, ou fotos, postagens que eu fazia (aí oh, modo de registro ajudando nessa!), mas infelizmente o que me restou de 7 anos em uma graduação de retorno, pingando de sala para lá e para cá, sem pertencer a alguma fase ou turma para chamar de "hey aquela ali é a minha turma!" é um imenso borrão de episódios e apagões.

E para quem é LGBT, pessoa negra, indígena ou imigrante nesse Brasil, o estresse de minoria vem carregadíssimo nos ambientes acadêmicos. Esse estresse é diário, nonstop, sem descanso. Algumas pessoas mais fortes psiquicamente conseguem ascender sem tanta sequelas, mas a maioria de nós estamos ferrades psicológicamente em como o sistema acadêmico nos trata. haja terapia, haja rede de apoio, haja curativo para cada paulada sofrida. Isso com autismo gera mais outro problema que é o que ando me cuidando e resguardando com mais cuidado e atenção, pois eu saí do ambiente mais tóxico que me prejudicava antes (E acionava os gatilhos todos pra dissociar), é o Transtorno de Estresse Pós-Traumático Complexo.

Esse aí eu cultivo por anos a fio desde criança. E o último trabalho trouxe tudo à tona por estar justamente com pessoas adultas com mania de vozerio e arrumar problemas onde seriam soluções. o de ter estresse todos os dias por tentar fazer o CERTO, mas por comodismo de outres é melhor ficar calade para não causar ou dar trabalho para elus. Era o prever problemas solucionáveis através das estratégias que aprendi durante anos trabalhando/estagiando, avisar les superiores e apenas ouvir um "deixa quando a bomba estourar". Esse era o problema, eu já estava com o código de desarmar a bomba, não precisava ela estourar.

Eu, como autista, não posso ter bombas na mão para estourar, essa powha toda me desorganiza, me afeta em todas as áreas da vida, me faz ter tudo jogado pro alto e revirado, todo santo dia. Pessoas neurotípicas (aquelas que acham que não tem nada de errado com a psique delas, vai nessa inocente!) ACHAM que conseguem aguentar esse tipo de estresse, ou elas simplesmente NÃO SE IMPORTAM mais sobre o que estão fazendo. O meu maior medo concretizado: trabalhar com gente acomodada e que pegou o serviço público apenas para sentar na cadeira e aposentar sem fazer nada. Assim como alguns docentes que passaram por mim, infelizmente. E os gatilhos vieram.

Deixei de acreditar na profissão, pra dizer a verdade. Ela é elitista e se move conforme o que o CIStema demanda para gente desmotivada. Vejo colegas que fazem trabalhos incríveis serem taxades de insanes, rebeldes sem causa, sendo jogades no ostracismo, e uma pequena parcela que é progressista demorando demais para pegar no tranco e entender que os buracos, minha gente... Os buracos são bem mais embaixo.

As "vagas" vagas do título é por conta de minha jornada agora para entrar novamente no mercado de trabalho sendo uma pessoa trans e neurodivergente: é muito vago. E minha pretensão é vaga. Tou enviando currículo até para ser pessoa recepcionista. Aliás, isso me lembrou de uma referência quadrinística dos anos 90.

Acho que deveríamos ser decepcionistas nessa profissão de biblioteconomista. A gente anda carregado demais de um legado recheado de decepção.

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